Sobre

Ao terminar o Ensino Médio no Colégio Rio Branco, com dezessete anos, eu tinha inquietações que me levariam, no que diz respeito à continuidade de meus estudos em nível superior, tanto para as Humanidades quanto para as chamadas Ciências Exatas.

Em 1988, ingressei no curso de Licenciatura e Bacharelado em Química da Universidade Mackenzie. Desde o início, os temas de estudo que mais me instigaram foram a Química Orgânica ― principalmente no que concerne à estrutura tetraédrica do carbono como fundamento da vida ― os fundamentos epistemológicos da Química, bem como o processo histórico de sua constituição.

Ainda no segundo ano de faculdade, decidi procurar um curso de Humanidades (resolução apressada, talvez, por uma perda irreparável que aprofundou questões existenciais), optando pela Filosofia. Assim, ingressei no curso de Filosofia da FFLCH-USP, em março de 1990.

De maio de 1990 a dezembro de 1991, comecei um estágio científico na área de Química de Produtos Naturais junto ao Instituto de Química da USP, sob supervisão do Prof. Dr. Marden Antônio de Alvarenga, que se tornou meu orientador de mestrado em 1992. A dissertação, concluída em janeiro de 1995, intitula-se Estudo químico de Hedyosmum brasiliense (com apoio FAPESP).  Gostaria de ressaltar que escolhi o tema não somente pelo interesse teórico na química orgânica, mas sobretudo pelo fato desta planta ser utilizada como erva medicinal pela comunidade de Juréia-Itatins, SP.

Durante minha passagem pelo Instituto de Química da USP, tive o privilégio de freqüentar seminários e grupo de trabalho coordenados pelo Prof. Dr. Otto Richard Gottlieb, um dos criadores da quimiossistemática, disciplina que objetiva quantificar e mapear a biodiversidade, ajudando na indicação do valor quanto ao potencial químico e farmacológico de suas espécies vegetais de uma região; para tanto amplia os parâmetros utilizados tradicionalmente, não se restringindo aos aspectos externos dos vegetais, como as folhas e flores, e, acima de tudo, integra a química à biologia, à ecologia e à geografia. Essa experiência me auxiliou na conscientização da importância da química, ou melhor, da importância de compreendermos a linguagem “químico-biológica” das plantas para podermos preservar nossos recursos vegetais. Essa perspectiva de pesquisa, sem dúvida, me ajudou a compreender a necessidade da estreita relação entre a ciência química e a ética. Com o grupo do Prof. Gottlieb eu aprendi que a química pode e deve auxiliar num processo de reflexão sobre comportamento ético, social e ambiental, reflexão fundamental nos dias de hoje. Os cientistas podem manipular e alterar a natureza para seu bem-estar, porém devem conhecer os seus mecanismos de operação para, antes de mais nada, respeitar seus limites.

Simultaneamente aos estudos avançados de química, meu interesse pelas questões filosóficas, mais especificamente pelas relações da história da filosofia com as ciências, sempre estiveram presentes no meu horizonte intelectual. Após o término do mestrado em Química, decidi então iniciar no ano seguinte um segundo mestrado, desta vez em Filosofia. O encontro com F. Nietzsche foi desafiador. A possibilidade de haver, em sua filosofia, uma “teoria do conhecimento” com base em uma “ontologia do vir-a-ser” mostrou-se inquietante. Como é possível falar em conhecimento filosófico em face de um pensamento que pretende desmascarar a tradição metafísica ocidental, por exemplo, ao criticar radicalmente os conceitos clássicos de sujeito e de objeto? Tentei dar uma resposta a esta questão na minha dissertação intitulada Nietzsche e a perspectiva dos afetos – uma visão fisiológica do conhecimento, defendida em julho de 1998, sob orientação da Profa. Dra. Scarlett Marton (com apoio do CNPq). Explicitando a chamada “doutrina da perspectiva dos afetos”, tentei mostrar que perspectivismo e pragmatismo são conceitos-chave para a resposta nietzschiana.

Ora, o resultado desse trabalho revelou que a filosofia de Nietzsche implicava o desmantelamento das teorias do conhecimento tradicionais, não só as dos antigos e de seus contemporâneos, mas também as dos chamados empiristas e racionalistas dos séculos XVII e XVIII. Grosso modo, pode-se afirmar que o profundo alcance da crítica nietzschiana à filosofia e à ciência modernas, ou seja, o percurso no qual o saber científico toma gradualmente o lugar de Deus se revelou como um imperativo de estudos que me exigiu um retorno às filosofias clássicas da modernidade.

Desta maneira, senti a necessidade de me debruçar sobre algumas das filosofias do século XVII, optando (e acreditando assim poder conciliar meus estudos anteriores) por estudar a filosofia experimental de Francis Bacon e Robert Boyle e seus pressupostos metafísicos e teológicos, sob a orientação da Profa. Dra. Marilena de Souza Chaui (com apoio da FAPESP). Nesse momento, percebi que meu duplo percurso acadêmico em Química e em Filosofia tinha propiciado subsídios importantes para a continuidade de minhas investigações, além de pontos de contato e de estímulos recíprocos. A tese de doutoramento, “Robert Boyle e a filosofia experimental: a química como chave para a interpretação da natureza”, defendida em setembro de 2003, foi publicada com o título A filosofia experimental na Inglaterra Seiscentista: Francis Bacon e Robert Boyle (Humanitas/Fapesp, 2004), na qual pude conjugar temas filosóficos, teológicos, científicos e históricos.
Terminado o doutorado, apresentei um projeto de pesquisa de Pós-Doutoramento junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da PUC-SP. Tal projeto se intitula “Fundamentos metafísico-teológicos da filosofia experimental de Robert Boyle: diálogos com P. Gassendi, T. Hobbes e R. Descartes”, e teve como supervisora a Profa. Dra. Ana Maria Alfonso-Goldfarb. Essa investigação suscitou para mim um problema fundamental: o desenvolvimento da interface de questões científicas, teológicas e filosóficas resultou numa nova configuração da noção de substância na filosofia experimental inglesa, cujas elaborações mais estritamente conceituais estão sendo estudadas presentemente nas obras de Locke.

Gostaria de observar que, paralelamente a essas atividades, sempre tive um profundo respeito e prazer pela docência. Isso pode ser percebido pela minha trajetória profissional. Comecei a lecionar química no ensino médio em 1991, no Colégio Equipe e, no ano seguinte, após a conclusão do bacharelado e da licenciatura, lecionei Química Orgânica na Faculdade de Engenharia da Universidade Mackenzie, onde permaneci por dois anos. Essa experiência foi muito gratificante, pois ainda jovem pude lidar com questões relacionadas à docência. Infelizmente, tive que deixar a docência quando saiu minha Bolsa de estudos da FAPESP para a consecução do mestrado no Instituto de Química, pois aqui a dedicação integral à pesquisa revelou-se necessária. Em 1997, senti necessidade de voltar a lecionar e tive a oportunidade singular de, no então Colégio Logos (02/1997-04/1999), elaborar especialmente para a instituição um programa de curso para a disciplina História e Filosofia da Ciência para o terceiro ano do ensino médio, e ministrei também as disciplinas Química Orgânica, Ética e Filosofia Política para o segundo ano. Nessa atividade, preocupei-me com as estratégias de ensino-aprendizagem e os vínculos entre minhas linhas principais de pesquisas acadêmicas, tendo por orientação recusar a perspectiva de neutralidade da ciência, contrapondo-a à relação estreita entre ciência e valores. Mas, uma vez mais, uma bolsa de estudos (do CNPq) e a possibilidade de passar dois meses no exterior me afastaram da docência, durante a conclusão do mestrado em filosofia. Contudo, pude manter desde então esporadicamente (sem vínculo empregatício) o contato com a docência na Universidade São Judas Tadeu, onde, entre 1999 e 2002, lecionei dois cursos semestrais para o Centro de Pesquisa da Universidade: Epistemologia e Correntes do Pensamento Filosófico e Científico.

Em novembro de 2003, após a aprovação do meu Pós-Doutoramento, iniciei minha integração junto à equipe de pesquisadores e professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência (PEPGHC) da PUC-SP.

Nos anos de 2005 e 2006, fui contratada para a função de Diretora de Projetos Estratégicos da Escola Carlitos (São Paulo, Capital), visando elaborar o Plano Pedagógico para a futura criação do Ensino Médio e reformular o currículo da área de ciências do Ensino Fundamental. Nessa ocasião, estudei os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, o currículo espanhol expresso em conceitos, princípios, procedimentos e atitudes, como orienta o trabalho de Cesar Coll em sua obra Psicología y currículum, e o currículo francês expresso em competências que tem como fio condutor a obra de Philippe Perrenoud. É interessante ressaltar que nesse momento pude “colocar em prática” alguns dos resultados de minhas pesquisas anteriores, relacionando a química, a filosofia e a história da ciência com o ensino. Trabalhar diretamente com os outros diretores, professores, alunos e pais da Carlitos me ampliou a dimensão do que é, como funciona e quais os problemas vividos por uma escola. Nesse sentido, em janeiro de 2008 fui convidada para assumir o cargo de Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental II da escola. Resolvi aceitar o desafio do novo cargo, pedindo demissão da PUC-SP pela possibilidade de ficar mais tempo com a recém chegada Carolina Zaterka Ajzen, na época com aproximadamente seis meses. Pude de fato cuidar e portanto vivenciar com a pequena Carolina a maior experiência da minha vida!  Em 2009 assumi a Direção Pedagógica da Escola Carlitos, instituição que trabalhei até dezembro de 2011. Pude ainda ministrar dentro da Disciplina de Temas Transversais aspectos da História da Filosofia. A experiência em lecionar para o Ensino Fundamental foi, de fato, extraordinária. Criei e coloquei em prática, ainda, vários projetos na Escola, inclusive alguns na interface entre a Filosofia e o Ensino – por exemplo, o Cine Carlitos e um projeto de História e Filosofia das Ciências para o nono ano. Coordenei, por fim, um projeto internacional, com apoio do British Council, Rivers of the world, que objetivava unir, por meio da arte, jovens de todo o mundo.

De fevereiro de 2009 a dezembro de 2010 fui Professora Assistente de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu. Pude ministrar diversas disciplinas, tais como Ética, História da Filosofia Moderna e História da Filosofia Contemporânea.

Em abril de 2012 prestei um concurso na Universidade do ABC (UFABC) para a área de Filosofia Moderna. Assim, desde maio de 2012 trabalho na área de Filosofia dessa Instituição na qual ministro diversas disciplinas, bem como oriento trabalhos. Posso afirmar que voltar ao âmbito público é um privilégio e motivo de grande felicidade!